sexta-feira, 4 de abril de 2008

Singularidade


" A Folha de São Paulo convidou Guattari para uma mesa-redonda, pedindo-lhe que propusesse um tema. Ele sugeriu "Cultura de massa e singularidade". No entanto, o título anunciado foi "Cultura de massa e individualidade". O termo "singularidade", segundo disseram, parecia ao jornal demasiadamente sofisticado, inacessível a seu leitor - exatamente, o consumidor de cultura de massa...

Ao substituir o termo "singularidade" por "individualidade", o jornal, curiosamente, encenou o próprio tema do debate: cultura de massa e singularização não podem aparecer numa mesma frase; elas são, na realidade, incompatíveis. A imprensa, enquanto produtora de cultura de massa, alimenta-se de fluxos de singularidade para produzir, dia a dia, individualidades serializadas. Democraticamente, ela "amassa" os processos de vida social, em sua riqueza e diferenciação e, com isso, produz, a cada fornada, indivíduos iguais e processos empobrecidos.

Mas não fica só aí a coincidência. Completando sua mise-en-scène, o jornal justificou a troca dos termos argumentando que a palavra "singularidade" seria uma sofisticação inacessível a seu leitor. De fato, singularizar é luxo nos tempos que correm! Ainda mais no mundo das páginas diárias, fabricado por essa máquina cuja função é exatamente inversa: produzir indivíduos deslocáveis ao sabor do mercado e, para isso, precisando interceptar seu acesso aos processos de singularização. Isso sim, sem dúvida, adapta-se perfeitamente aos tais "tempos que correm"…

[Guattari, F.; ROLNIK, S. Micropolíticas - Cartografias do Desejo. Petrópolis: Vozes, 1986

Figura:http://www.gdubois.com/

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